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Friday, October 06, 2023

O triste destino dos doentes incuráveis de caráter (infelizmente é bastante gente)

 Quatro cavalheiros dividem uma cela silenciosa, numa prisão enorme, mas que parece vazia. Não fazem a menor ideia do motivo de estarem presos e nem como chegaram até lá.

Não se conhecem.

Impera, entre eles, o silêncio, devido a uma dificuldade em falar, mas não em raciocinar de forma simplista ou até certo ponto, lógica. É como se fosse difícil falar. As horas passam, nem uma gota de água é servida, não se ouve um som que remeta à presença mesmo que fantasmagórica de outras pessoas no imenso complexo prisional.

A fome se faz sentir e a única opção é o canibalismo.

Quem será sacrificado? Como será feito?

Após o último ser comido e o seu comensal passar mal, de forma muito pior que na ingestão dos anteriores, resta a solidão e certeza da morte, que não vem. Ao mesmo tempo, o remorso por ter cometido tal sorte de crime e a dúvida se teria sido a melhor opção se fazem sentir.

Os que foram vencidos seguirão eternamente sentindo as mordidas, pancadas e demais ferimentos ocasionados, assim como consumidos eternamente por um misto de sensação de fracasso e de ódio por não ter vencido. Sentirão os dentes mordendo, os braços e pés do canibal os vencendo, mesmo que lutem.

Porém, por uma fatalidade terrível, diferente de nós, vivos, que conseguimos nos adaptar às mais variadas situações, os cavalheiros da fictícia jornada não conseguem. É como se todo som assustasse e nunca se acostumasse a eles; é como se todo pequeno receio se tornasse um medo irracional e mesmo a a sua repetição fosse sempre sentida da mesma forma.

Não há habituação, não há adaptação, não há razão possível, não há perspectiva e nem uma reflexão acerca de tudo. A emoção sempre toma conta de tudo e a mente se vê como mera espectadora de um mundo assustador do qual não consegue se defender.

Vamos a uma outra ficção.

Uma linda praia, em que um casal apaixonado se encontra, após muitos anos de separação por morte. Ao se verem, abraçarem novamente é como se o antigo amor voltasse. Porém, a cena termina quando estavam a milímetros do abraço. A praia maravilhosa ainda está lá, vazia, imponente, linda. Mas onde está o grande amor?

Está logo ali... a pessoa corre para encontrá-lo e ... a milímetros do abraço, a imagem se desfaz.

E isso repete... repete... repete... indefinidamente.

A pessoa entendeu que está indo atrás de uma ilusão. Mas ao vê-la, é tomada por tão forte emoção que vê seu corpo correr em direção ao fantasma, inundado por sentimentos fortes que ela já entendeu não fazem sentido, mas mesmo assim é incapaz de evitar. É um outro tipo de prisioneiro.

Para fechar a trilogia desse mundo esquisito, vamos imaginar que uma pessoa "religiosa" faleceu. Era tida por todos como um benfeitor, mas é sabido que nos bastidores não se tratava de pessoa tão íntegra assim. Não chegava a ser um aproveitador, mas não era alaguém que poderia falar em nome de Deus, considerando a sua própria vida e costumes. Sobretudo devido à forma como discriminava, humilhava e maltratava aqueles que considerava "inferiores" a si.

Ao chegar no "céu", uma grande surpresa: estava entre seres de luz (no seu modo de ver as coisas), extremamente dóceis e prodigiosos. Seres de fato dotados de umapureza imaculada, sem nenhum tipo de vício, de erro, de confusão. A pessoa, sempre arrogante e orgulhosa de sua profissão, à qual forçava a todos ("todes") venerar, resoluta e sabichona estava, agora em meio a gênios que faziam qualquer grande pintura de Giotto parecer um rabisco de criança na parede.

Mas eram todos gentis e delicados com a tal pessoa, convidando-a com frequência a falar sobre aquilo que ela dizia saber, mas ela não se lembrava direito, estando sempre sob centenzas de olhares argutos de gênios muito mais esclarecidos que ela. Mesmo se esgotasse todo o seu saber, parecia uma linha ou notinha de rodapé perto dos livros de sabedoria que a convidavam a falar.

Foi colocada no centro das atenções, todos olhavam e aguardavam que ela falasse, analisavam cada pequeno gesto e julgando-o, sem emitir uma sentença. Mas era claro que julgavam e óbvio que sobrava-lhes atributos para julgar.

O medo se tornou uma constante, agravando todas as inseguranças trazidas da sua última encarnação. Não havia para onde fugir e nem como se adptar ao medo. Era sempre o mesmo calafrio que foi na primeira vez. Mas por que aquilo estava ocorrendo? A pessoa não conseguia entender em que errou: estava num lugar maravilhoso, rodeada por gente maravilhosa, mas era o inferno. 

"Bom se ela não entendeu, não serei eu a colocar minha mão nisso."

A frase acima é o mantra ou regra para atravessar com segurança (psicológica) o que suspeito esteja por vir nos próximos anos. 

As jornadas fictícias acima não são exatamente fictícias. Na verdade elas são formas muito atenuadas e até infantilizadas de se referir ao que ocorre, da perspectiva do sujeito, quando este é atraído ao chamado "cone sombrio da lua".

Tal região hiperfísica corresponde à sombra que a lua faz na Terra, ao encobir o sol, completamente perceptível durante os eclipses solares. Se do nosso ponto de vista isto ocorre de tempos em tempos, do ponto de vista astral ou hiperfísico o fenômeno ocorre continuamente, guardadas as devidas particularidades do caso.

Para tal região sombria são atraídas as almas das pessoas que manifestaram doença de caráter incurável. Pouco importa o quão ajustadas socialmente elas fossem, sua bagagem espiritual ou intelectual. Nem mesmo se fizeram bem ou mal aos outros, se agiram por amor ou maldade.

É a doença de caráter que faz almas afeitas ao cone sombrio da lua. É uma combinação tão potente que quase nada é capaz de evitá-la.

Mas o que é uma doença de caráter incurável?

Primeiro é preciso entender o que é caráter.

Caráter é a tendência geral de comportamento do indivíduo. Há pessoas que mesmo sendo egoistas e manipuladoras parecem evitar transpor um determinado limite ético. Esse limite é manifestação do caráter.

A pessoa doente em caráter atravessará essa linha nada tênue entre a ética e seu averso continuamente, ao tomar por regra transgressões, justificando-as conforme lhe convem. Para os doentes de caráter, como os sociopatas e psicopatas, por exemplo, não existe regra social ou limite que não possa ser quebrado ou transposto a seu bel prazer.

Para os doentes de caráter a lógica ou pouco importa, fazendo-os agirem como animais; ou a lógica existe para satisfazer desejos doentios e realizar fantasias escabrosas. Ou seja, para alguns, há predomínio de uma dimensão emocional pouco sofisticada, rústica e que ainda assim toma o lugar da mente. E para outros, também, contudo iludindo-os ao inverter a ordem das coisas, fazendo do emocional toda fonte de juízo e discernimento (que seria o mental) e da mente uma mera executora dos ditames irracionais de uma dimensão emocional que é, por definição , irracional.

Uma pessoa que maltrata os outros deliberada ou involuntariamente, comprazendo-se com seu gesto, é um doente de caráter, assim como os que agem à luz da vingança, do justiçamento, linchamento, seja virtual ou físico. Alguém que escolhe mentir, trair, enganar para tirar proveito da situação é um doente de caráter. E em alguns casos tal doença é irreversível, ou seja, não importa o que a pessoa faça, não será capaz de reverter o seu triste quadro e será, provavelmente, atraída ao cone sombrio da lua.

No primeiro caso fictício poderíamos localizar didaticamente quatro pessoas mesquinhas e ambiciosas, que enriqueceram ou tiraram vantagem da situação precária ou menos favorecida dos outros, ao invés de os ajudar a se tornarem pessoas melhores. são como os maus policiais, os maus bilionários, maus juízes , maus empresários, maus pastores, por exemplo - gente que abusa do poder e se ergue sobre os ombros dos mais fracos, tirando-lhes tudo que pode ser tirado (como direitos sociais, direitos a bolsas, pagando salários miseráveis etc.).

É como se estivessem, em vida, devorando outras pessoas - presas fáceis. Após o seu falecimento, não houve motivo para comemorar. Nem mesmo deu tempo de acompanharem o velório, pois a sua alma já havia sido aspirada para uma estranha prisão, em que figuram outras almas em condições similares...

No segundo caso é como se a pessoa tivesse desprezado em vida o verdadeiro amor. Ao invés de abraçar e manter uma vida junto do verdadeiro amor, por vaidade ou qualquer outra doença incurpavel do caráter, a pessoa afastou a pessoa amada. Talvez por traição, talvez porque estivesse deslumbrado(a) com sua própria imagem sendo elogiada e venerada por estranhos.

É como aquelas pessoas que colocam o trabalho e reconhecimento acima da família; negligenciam os esposos, filhos, pais e irmãos para recereberem aplausos de estranhos. Ao desencarnarem, terão a ilusão de terem sido arebatados aos céus, visão compartilhada até mesmo por clarividentes iniciantes, ao ver a alma de tal morto adentrando um portal de luz... do qual nunca mais sairá.

E dentro do qual existe algo como uma linda praia, em que o amor abandonado ressurge em todo seu esplendor, sem amarras... mas sem corpo, uma ilusão.

Finalmente, podemos localizar o morto do terceiro caso. Uma pessoa que em vida, provavelmente, buscou glórias e reconhecimento. Alguém arrogante por ser detentora de algum conhecimento, como são professores, intelectuais, religiosos etc. Uma pessoa que utilizava o seu saber como forma de oprimir, humilhar, subjulgar os outros.

Era uma pessoa vaidosa, que se orgulhava  do seu corpo, dos seus seguidores, do seu progresso financeiro. Como tanta gente que comemora 1 milhão de seguidores no Instagram, mas não se importa com o tipo de conteúdo tem ofereido a tais gentes, ou no quanto poderia ajudar-lhes, de alguma forma.

Ao morrer, tal criatura se entenderá cercada por nobres e pessoas do primeiroe scalçao da inteligência, do saber, dos corpos perfeitos, divindades mencionadas nos textos religiosos que tanto apregoou... e estão todos ávidos por ouví-lo(a), admirá-lo(a), comparar seu corpo imperfeito aos seus, perfeitos; sua inteligência condicionada ao charlatanismo à magna inteligência dos Mestres do saber, suas mesquinhas ações comparadas às obras divinas.

São belas ficções, porque a realidade é muito pior que isso.

E sobre ela, ainda pesa uma outra questão: ninguém encarna fora da sua família, como dizia meu Mestre Gautama. Não dizia família no sentido de parentes, mas família no sentido de afinidade.

Se existe uma família de pessoas mesquinhas, há ali a oportunidade de nascer um mesquinho. Grosseiramente falando.

Contudo, a sociedade tem mudado rapidamente e adotado padrões de convivência cada vez mais elevados, assim como nívels de inteligência e emprego da mente criativa e indutiva cada vez maiores. Portanto, muitas pessoas atualmente encarnadas não terão como reencarnarem, por falta de afinidade entre elas e seus futuros pais.

Se há uma humanidade de santos e gênios, como nasceria ali um desgraçado? Isso é impossível.

Assim, vemos acontecer dois movimentos na face da Terra, no âmbito cultural: as pessoas que estão progredindo, ou seja, tornado-se cada vez mais tolerantes, plurais, inteligentes, cultas, sensíveis, delicadas, inclusivas... e as que estão segregando os demais.

Alguns emrpegando técnicas antigas, como afirmar que a mulher vale menos que o homem, que o negro não presta, que somente na Europa existe cultura etc. São reacionários.

Outros, através do identitarismo, forçando a aceitação artificial de linguagem neutra, desqualificando o gênero heteronormativo, ao invés de ampliar sua concepção. São aqueles que defendem a sexualização e promiscuidade, consumo desenfreado de entorpecentes e outros vícios de caráter bem fáceis de notar.

Um mundo plural é aquele onde todos têm voz e voto, não um mundo em que alguns oprimem os demais, forçando desigualdades. Um mundo equilibrado é aquele em que a vida privada das pessoas é de fato privada, não cabendo a ninguém julgá-la e nem associar tal vida ao bom ou mau cunprimento de seus deveres e ações. Um mundo correto é aquele em que tudo e todos contribuem, de alguma forma, para que a humanidade, como um todo, se desenvolva mais e que o mundo seja mais limpo e inteligente.

Por isso veremos surgir duas humanidades. Depois a gente conversa sobre isso.

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