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Monday, September 25, 2023

Por que não, eu?

Eu achava que conseguiria evitar a infecção por covid-19. Estava errado.

Por sorte, tomei 5 doses das melhores vacinas contra a covid, a última em julho (+/- 2 meses atrás). Se não fosse por isso, certamente eu estaria bem pior, apresentando complicações e risco de morte.

A pandemia foi um divisor de águas para mim e acredito que para muita gente.

Logo no início, com a confusão geral sobre a doença e imposição do lockdown, bastante importante, convidamos minha sogra para morar conosco, o que durou alguns meses. Foi a primeira mudança, que anos depois me fez voltar a escrever numa plataforma arcaica como o blogspot/blogger.

Minha mãe faleceu quando eu tinha 12 anos de idade, bem diante dos meus olhos. Eu ajudei a carregar o corpo para o carro, na esperança de levá-la ao hospital. Acolhi meu irmão que não tinha ainda completado 11 anos e chorava muito.

Eu sabia que era o ponto final da família.

Aos poucos meu irmão foi se afastando, meu pai adoeceu pesadamente com Alzheimer muito tempo depois. Nós detectamos isso em 2016-7, mas já era algo em curso há mais tempo. E mesmo com as debilidades, durante a pandemia, fizemos vários almoços de domingo no quintal trazidos pelo ifood.

Era a família de novo: pai, mãe, filho e neto. Sim, o nosso pequeno era bem pequeno na época.

Fazia muito tempo que eu não sabia o que era ter algo equivalente a uma mãe em casa. A minha adoeceu em 1987, mas faleceu em 1992 e nesse meio tempo foi se afastando e "nos preparando para a sua morte" como ela dizia.

Quer dizer, fazia mais de 30 anos da última vez que eu tinha participado de um almoço de família sem estresse, sem medo de amanhã a mamãe morrer, sem o gosto amargo de despedida que todas as coisas tomam quando alguém que gostamos começa a morrer.

Durante a pandemia, fomos bastante radicais em relação aos comportamentos que poderiam levar à infecção e não fomos infectados. Eu passei pela pior depressão que tenho notícia nessa época, também. Outra hora falarei mais sobre isso.

Eu ficava pensando "poxa vida, se eu infectar, provavelmente vou morrer. Como ficará o filho?"

Então me ocorreu escrever ou gravar algum video voltado a ele para assistir quando estiver mais velho e lembrar de mim; e mais do que isso, para lembrar e entender o quanto ele é importante. Eu pensei em 1001 protocolos para o caso de ser infectado, internado ou mesmo falecer.

O tempo passou, veio a vacina e com ela a esperança de voltar ao que era antes da eclosão da pandemia.

Meu pai faleceu em 2022, não foi devido à covid, mas tratamos sua pneumonia em plena pandemia. Eu sinto muita falta dele. Costumo dizer que o emprestei para a mamãe divertir e depois ela me devolverá.

Não precisei criar nem ativar o protocolo para o caso de eu ser infectado, mas resolvi, alguns meses depois da morte do papai, gravar a minha história em vídeos. São vídeos que acho irão alegrar os meninos quando eu não estiver mais aqui.

Outro divisor de águas foi o FaceBook.

No início da pandemia eu considerava os eleitores de direita/Bolsonaro completos idiotas, seres inúteis e descartáveis. Uma parte grande deles defendia o negacionismo, combatendo, dentre outros, a vacinação. 

De tempos em temops aparecia alguém dizendo que pandemia era mentira e logo a seguir tal pessoa morria de covid. Eu achava engraçado e resolvi ver os perfis do FaceBook (FB) dos mortos. E depois dos vivos. E depois das pessoas que comentavam "minha esposa faleceu", "perdi meu filho", "meu pai se foi".

Vi dezenas de vídeos de pessoas relatando aos prantos as histórias de perdas para a covid. Vi dezenas de perfis do FB em que havia lindas fotos de casais, famílias... pareciam até com as nossas fotos. Mas eram fotos de tristeza.

É como a menininha que o pai morreu de covid e toda hora que alguém batia na porta ela gritava "mamãe, papai chegou". É o vídeo do pai falando para o filho "mamãe não vai mais voltar", acolhendo o menininho no colo. São os vídeos das pessoas que juraram amor eterno e foram separadas pela covid.

Essas pessoas também votaram Bolsonaro, Lula e até Ciro Gomes, como eu.

Eu via, ouvia, me emocionava e pnsava: se eu pudesse, traria todos de volta, para continuar fazendo besteira e se infectando. Se eu pudesse traria todos de volta, mesmo se fosse para combaterem a ciência.

Isso mudou tudo. 

Eu vi ali o óbvio: as pessoas para além dos seus erros, como votar em Bostonaro ou negar a ciência. Nunca mais consegui ver essas pessoas como sendo inimigas, descartáveis, idiotas. Eram gente fazendo coisas extremamente iditoa? Sim.

É como beber e dirigir, como tentar levantar mais peso na academia do que o que aguentar, são viciados, por assim dizer.

Desde então, não consigo ver essas pessoas como inimigas, mas como gente que faz muita besteira e rotineiramente toma decisões desastrosas. 

Meus vizinhos diziam, durante a pandemia, que "Deus sabe a hora de cada um" e por isso nem máscaras usavam. Com o passar dos meses perderam muitos conhecidos para a covid e meio que mudaram de opinião a respeito.

Agora eu é quem está infectado. Será que é a minha hora, escolhida por Deus?

Não sei dizer.

De qualquer modo, já deixei anotado num local de fácil acesso o endereço onde estão os vídeos feitos para os meninos. Ou seja, iniciei o protocolo.

Vamos ver o que acontece, a médica diz que no meu caso parece será muito simples, como um resfriado ou coisa parecida. Uai, espero que sim. Vamos aguardar.

Eu pensei tanto neste protocolo, mas nunca o iniciei de fato. Até agora há pouco.

Eu não tenho medo de morrer. Um ex suicida como eu dificilmente terá medo da morte ou do que virá a seguir. Mas penso muito nos filhos, na esposa e pessoas que porventura nutram alguma afinidade comigo.

Eu sou seguidor do Pequeno Principe, quando a raposa diz que "te tornas eternamente responsável pelo que cativas". Eu levo esse aforismo muito a sério e de fato é a base das minhas ações.

Eu não estou com sintomas graves até o momento: parece uma sinusite, rinite alérgica ou coisa parecida. Vamos ver como progride, né?

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