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Monday, December 14, 2009

Um Paradoxo chamado Psicologia.




Esses dias, durante uma viagem que fiz a uma cidade do interior de MG, sempre de ônibus, tive a companhia de uma moça simpática à beça que conversou comigo durante boa parte do trajeto. E a cada 3 frases, em média, sempre há um bordão ao qual as pessoas da Psicologia já estão muito familiarizadas: "mas você que é psicólogo, que entende melhor". Após a alegre conversa, fiquei pensando-talvez motivado pelo Seminário 3 (Lacan) que eu estava lendo no caminho-: curioso o quanto de poder as pessoas dão ao psicólogo, mas a baixa autoridade que ele representa. E vim aqui dividir esta idéia que me ocorreu.

Desde que entrei no curso de psicologia tem sido assim, um crescente de poderes atribuídos a mim, mas sem nenhuma autoridade. Dizem "você que é psicólogo que sabe como a gente pensa", mas se eu disser "ok, faça isso"... quem disse que farão? Isto é um paradoxo. Somos investidos pelo leigo de um poder praticamente sobrenatural, já sabendo, segundo acredita o popular, de antemão, os "por quês" das suas ações e pensamentos, além das motivações de terceiros. Mas se tentamos fazer valer alguma autoridade, já que temos o poder... muitas risadas (como diriam os psicanalistas, resistência).

Fiquei pensando e torço para que alguém converse comigo a respeito (por isso pode-se comentar à vontade neste blog), que às vezes é a dinâmica da mente humana, paradoxal. E ao encontrar alguém que em sua crença representa o mundo anímico, seja o das inomináveis emoções, ou das inexplicáveis razões-de-ser, reproduzem tal forma paradoxal de ser. Repetindo a opinião psicanalítica, nada de novo nessa constatação, já que um dos fundamentos da transferência é justamente este; contudo, permitam-me ir além.

Um dos meus autores favoritos, Eliphas Levy, escreveu um verdadeiro tratado sobre os Paradoxos da Sabedoria Oculta, leitura que considero importantíssima a todos os interessados no tema (encontra-se facilmente em PDF via google, chama-se Os Paradoxos da Sabedoria Oculta). Nessa obra, discorre tranquilamente sobre a forma paradoxal como o Conhecimento Ocultista está estabelecido, por sua vez, reproduzindo a disposição paradoxal das Leis Universais, como num simples exemplo: temos a tendência ao repouso absoluto (daí os corpos perderem calor); mas onde caberia um Big Bang neste cenário?

A idéia do humano enquanto reprodução do Todo não é, igualmente, também nova. A idéia pitagórica de Mônada, em sua encarnação védica como Agni, ou a princesa mítica dos contos-de-fadas, quer dizer mais ou menos exatamente isto. A essência humana existe em reprodução à Essência Universal, que os religiosos chamam de Deus. Assim, uma ciência do paradoxo é uma ciência total, enquanto a ciência positiva que conhecemos, fundamentada num recorte da realidade, é obrigatoriamente uma ciência parcial, ou seja, limitada. A ciência positiva, ao buscar eliminar o paradoxo, criando uma relação "coerente" entre causa e efeito, acaba por trair a si mesma, tal qual um Édipo arrependido, cegando seus próprios olhos à realidade que se lhe apresenta tal como é.

O cientista positivo, que busca eliminar o paradoxo, ao invés de explorá-lo, apaga de seu quadro as respostas para as perguntas que continuamente faz, sendo obrigado a respondê-las no plano da fantasia. Tal infelicidade obriga-o a passar do plano científico para o da baixa politicagem, afim de que sua fantasia prevaleça sobre as fantasias dos demais. Assim vemos a todo momento teorias subirem e caírem, sempre muito bem amparadas por mecanismos políticos bastante sólidos, como as leis, que visam o bem estar do Estado e não do indivíduo. Há quem diga que a realidade é incontestável, mas às vésperas do Natal respondo da seguinte forma: os contemporâneos de Jesus não estavam absolutamente certos, em sua crença, ao apedrejarem a mulher adúltera? E hoje em dia isso não seria um crime hediondo? Para bom entendedor... meia palavra basta.

A própria psicanálise, que poderia ter sido a primeira ciência paradoxal do ocidente, negou-se a tal, buscando, a seu modo, achar respostas unívocas ao invés das esperadas duais (paradoxais). Sim, como as ciências mais antigas que se tem notícia, a começar pela astrologia, onde o paradoxo não é eliminado, ao contrário, é sobre ele que são feitas as inferências importantes sobre o que deseja-se avaliar. Certamente o que se sabe atualmente sobre astrologia cursa favoravelmente à mediocridade dos escritores de horóscopos. Assim como ao invés de Verdadeiros Profetas como Nostradamus, temos risíveis "videntes" especulando se o campeão do Big Brother Brasil será um homem ou uma mulher; ou gabando-se de terem previsto a queda de aeronaves, após as mesmas terem caído; ou fazendo declarações sobre o novo cd dos Mamonas Assassinas, a ser lançado no plano espiritual, onde, segundo a médium, ainda fazem grande sucesso.

Bom, enquanto as outras ciências vão encontrando seus Muros das Lamentações, assim como a Igreja, por infelicidade e falta de talento dos papas e seus subordinados e não por ausência de virtudes em Jesus e seus Apóstolos (de novo, para bom entendedor...) ainda há para a Psicologia a chance de achar um caminho dual (paradoxal) para si mesma e quem sabe ser a primeira ciência paradoxal a surgir no ocidente, uma vez que a tentativa de Einstein, por mais formidável que tenha sido, foi igualmente frustrada pelos que supostamente poderiam ter continuado seu trabalho. O século XVII foi das Artes, o XVIII da Sociologia/Filosofia, o XIX das engenharias, o XX das ciências biológicas e certamente, o XXI, da psicologia. Apesar de apenas no futuro tais ciências terem evoluído, foram nos séculos apontados que as grandes estruturas de tais conhecimentos foram estabelecidas. E uma sociedade drasticamente paradoxal como a atual... é material suficiente para fazermos as coisas a nosso modo. Nada por acaso, garanto. Ainda dá tempo, mas se não for o caso, tudo bem. Algum outro conhecimento novo em folha surgirá, virá e inaugurará a chamada "Era de Ouro", parafraseando os kalpas da tradição védica. Veremos.



4 comments:

Fernanda Carvalho said...
This comment has been removed by the author.
Fernanda Carvalho said...

Ari,

Lendo seu texto, veio uma pergunta à minha mente:

Hoje em dia em quem confiar não é mesmo?

Digamos que ainda existem tantas defesas e resistências a superar, mas isso é totalmente compreensível. São barreiras internas ditas pelo nosso inconsciente mas absurdamente compreensíveis.

Para se entender o outro, já dizia o poeta: “tudo vale a pena quando a alma não é pequena” (Fernando Pessoa)

Nós seres dessa Terra, somos martelados por uma sociedade que “rotula” o próprio psicólogo em um padre ou se for no consultório é pior, é praticamente o próprio confessionário, daí pode-se entender talvez o processo de transferência e como esse tal “profissional” se torna importante já que possui algo que pertence ao outro, nessa situação se adquire “poder” que tanto pode ser usado para ensinar e preparar o outro quanto para influenciá-lo com o fim de doutriná-lo segundo suas próprias crenças. O profissional, como ser humano, também possui seu próprio inconsciente, muitos se esquecem disso, portanto também pode transferir significado para o paciente. (Freud)

Tantos e outros pensamentos foram surgindo em minha mente, (realmente dá uma bom texto dissertativo... rs...) que tento entender a pergunta que eu mesma formulei. Bom, preciso seguir adiante com outros e tantos pensamentos que surgirão no meio do caminho...

Para ser melhor entendida, se é que vai mudar alguma coisa, cito o exemplo de um livreiro, ao longo dos anos nessa profissão pôde testemunhar pessoas que chegam à livraria onde trabalha comprando tratados de astrologia. Uma semana depois, voltam para comprar efemérides e tábuas de casas, material básico para se constituir uma mapa natal. Um ou dois meses depois, voltam e pedem para deixar cartões de visita onde ofereciam como "profissionais astrólogos", mas uns meses depois, chegam com panfletos onde anunciavam "cursos de astrologia". Haviam-se tornado professores.

Fernanda Carvalho said...

Me diga como isso é possível? A astrologia é uma ciência tão complexa quanto a matemática ou a engenharia. Seria possível alguém tornar-se professor em tão pouco tempo?

Um outro problema sério e freqüente nas profissões em geral, e, pelos mesmos motivos, é a questão do “poder x status” de um profissional. Sem hipocrisias, um “poder” amiúde seduz tanto o profissional quanto ao seu paciente, criando uma relação de dependência e de conivência patológica muitas vezes mascarada pela fachada "libertadora" da proposta.

É muito difícil reconhecer isso escapar dessa ilusão que representa a possibilidade de "fazer a cabeça de pessoas". É complicado.

Mas então o que fazer? Diante desse quadro de tantos riscos?

Uma pessoa realmente preparada, madura e responsável pode dedicar certa parte do seu tempo nessa atividade estudando durante anos a fio e investimentos vários, inclusive econômicos, esses sim são verdadeiros profissionais dedicados ao que fazem e também se dedicam sem deixar de fora a outras áreas da sua vida, isso é muito importante observar!

O profissional intoxicado, com olheiras, brancos como cera, acabam ocupando posições que os obrigam a manter constantemente posturas de autoridades. Provavelmente, em certos momentos de saturação, eles tem gana de mandar tudo ás favas e de gritar que eles também, vivem num mundo onde reina a soberana “incerteza”.

Gostei da citação sobre “Os Paradoxos da Sabedoria Oculta”, eu tentei ler, mas confesso que ainda não terminei, pelo o pouco que li aprendi que a verdadeira experiência espiritual, como disse, não acontece apenas em situações de cunho esotérico. Ela acontece a todo instante, em cada momento do cotidiano, e muitas vezes, dentro de situações inesperadas e modos inusitados. Para viver essas grandes experiências ou pequenas experiências espirituais do dia a dia, é preciso, muito mais do que possuir conhecimentos e técnicas, manter a mente aberta e o coração sempre abertos, sempre disponíveis ao aprendizado do novo e do verdadeiro.

Exatamente como uma criança é capaz de fazer sem o menor esforço. Ai sim, viajar nas asas da simbologia arquetípica dos planetas, da Astrologia, da Cabala, da Alquimia e de tantos outros meios de transporte que o homem inventou para mergulhar nos reinos misteriosos de si mesmo. E, depois, descer das alturas, fincar bem os pés no chão e viver assumidamente a realidade objetiva. Pois ela é tão importante quanto aquela subjetiva.

Ambas devem construir uma unidade integrada e harmonizada, a base essencial da verdadeira vida do espírito.

Equilibrium x perfection!!!

Abraços,

Fernanda Carvalho.

p.s.: adorei as fotos, são lindas!

arteatraves said...

Bem interessante e muito bem colocado. Lacan dizia achar normal as pessoas confundirem o psicanalista com uma lixeira. Eu discordo.

Exige talento articular bem a plenitude de poderes e ausência de autoridade. E isso não está em nenhum livro, nenhum blog, nenhum script.


Gostei das suas colocações, achei-as muito valiosas. :)