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Monday, May 24, 2010

A História Sem Fim

Agora sim!!


Vamos começar a analisar alguns filmes que considero sensacionais para o eubiota, assim como para as pessoas interessadas no que de mais bonito está acontecendo. Nem sempre conseguimos dar nome às coisas que sentimos. E coisas muito bonitas estão acontecendo, mas devido à escassez de palavras agradáveis em nosso linguajar cotidiano talvez tais coisas fiquem, como diz o popular "presas na garganta", "na ponta da língua" etc. Tentarei trazer a minha versão de tais coisas. Mas antes disso, vamos fazer um aquecimento, avaliando o filme que em minha opinião é o mais bonito já realizado: A História Sem Fim (The Neverending Story, EUA, 1984).

Maiores detalhes da produção/sinopse etc, por gentileza consultar a Wikipedia/Google etc. Isso estenderia demais este post (e seria copiado de lá!!), ok? 


Seguirei o roteiro do filme (baseado no livro homônimo, que não avaliarei aqui, até porque não o li).


A primeira cena do filme traz Bastian, o protagonista, novamente atrasado para a escola. Durante o café da manhã, ao conversar com seu pai, discutem o rendimento escolar de Bastian e sua sugerida dificuldade em superar a perda da mãe. O pai veste cinza, uma cor que não é nem preto, nem branco, isto é, o mal travestido de bem, ou o bem que apresenta-se como mal, cor dos incertos, duvidosos, dos que sabem que devem crer mas não crêem, dos que não ousam pensar demais sobre si mesmos. E justamente é este o convite que o pai faz a Bastian, abdicar do que é verdadeiro em seu interior (os unicórnios) para adaptar-se à uma vida cinzenta, medrosa, incerta como a dele. A dificuldade do garoto em seguir regras que tomadas ao sens comum levariam-no ao bem (ir à escola, instruir-se), aponta, por outro lado, algo que os chamados Peregrinos (aqueles que buscam a Iniciação) conhecem bem: a única verdade é a que vem de dentro, mesmo que todos pensem o oposto. A única segurança é a que vem do interior do Peregrino e exatamente por isto ele pode se lançar à Iniciação: porque a sua Verdade Interior traz-lhe maior segurança que a verdade relativa do cotidiano.

No caminho para a escola (leia-se: na tentativa cotidiana de adequar-se às regras cinzentas do mundo) encontra um grupo que lhe faz oposição, buscando tentá-lo. Incitam-no à violência, o garoto resiste, deixando-se ser vítima uma primeira vez, como um tipo de provação. Na segunda vez, acaba por encontrar a livraria, onde um ancião oferece-lhe subliminarmente um Livro (a História Sem Fim). O Livro é a Iniciação, é o processo através do qual o chumbo da personalidade transforma-se no ouro da imortalidade, segundo contam os alquimistas. O ancião representa a Tradição, ou seja, aqueles que em outros tempos percorreram caminhos diferentes mas chegaram ao objetivo de Bastian-ser ele mesmo.
O rapaz vai ler o Livro dentro da escola, ou seja, vai praticar a Iniciação no contexto das regras sociais e laços culturais que mantemos, porém não em meio aos demais (na sala de aula), buscando um lugar que faz parte do sistema (o sótão), mas que ao mesmo tempo oferece-lhe as condições de seguir em seu intuito. Tal é a idéia fundamental da SBE e que muitos desconhecem: oferecer uma forma de a Iniciação adentrar a vida cotidiana, ou melhor, inserir-se nas brechas da vida cotidiana, criando gradativamente um espaço próprio.

A História, essencialmente, diz que Fantasia, um Império composto de sonhos está em grande risco, devido ao Nada, que apenas um guerreiro poderia enfrentar, chamado Atreyu. A Imperatriz está muito doente e a cura existe em algum lugar de Fantasia. Para surpresa de todos, Atreyu é uma criança, como Bastian, que recebe o colar da eternidade (o Auryn- o  Oroboros) das mãos do Sacerdote, representante da Imperatriz, moradora do Palácio de Cristal. O Sacerdote é o Deus Interno, que representa aos nossos olhos aquilo que chamamos de Mônada, habitante no corpo causal. Atreyu sai em busca da cura para a Imperatriz, montando um branco cavalo (Artax).

Fantasia é uma representação quase exata do que os psicólogos chamam de "subjetividade", isto é, o mundo de desejos, sonhos, devaneios... onde existem as formas criadas por nossos sentimentos e pensamentos, simulacros de nós mesmos. Atreyu é aquilo que chamaríamos de alma de Bastian, sendo a parte mais solicitada no processo de cura da Imperatriz. Toda doença representa um afastamento do centro (equilíbrio) e as pressões do pai de Bastian poderiam levá-lo a distanciar-se demais da sua verdade, em favor da verdade mentirosa da humanidade comum.

Abençoado pela Mônada com o símbolo do infinito, a alma, através do emocional puro (Artax) busca as respostas para as perguntas que se faz interiormente. Ao cruzar o pântano das tristezas, o cavalo sucumbe e morre, deixando apenas a mente (Atreyu) responsável pela caminhada em busca da Iniciação. Neste caminho encontra Morla, o ancião, representante das boas tendências (escandas) mais desenvolvidas (afinal a velhice é o final de todo desenvolvimento). Quando tal encontro ocorre, abos assustam-se: a alma (Atreyu) e o corpo (Bastan), revelando que ambos estão decidindo juntos o curso de Atreyu, ou seja, estão profundamente unidos no percurso iniciático. Morla diz que apenas o Oráculo do Sul poderá oferecer as informações desejadas, mas que este fica muito longe dali. Tomado por desespero, Atreyu vai em busca do Oráculo, sendo praticamente engolido pelo pântano das tristezas, por desconsiderar a possibildiade de chegar ao Oráculo.


Porém o pouco de esperança que o Auryn trouxe-lhe fez com que um milagre acontecesse, sendo resgatado por Falkor, um Dragão que livra-o da destruição certeira. Falkor é o emocional reconfigurado pelo poder da vontade (krya-shakti), que levou-o praticamente aos pés do Oráculo do Sul. Para atravessá-lo, deve confiar totalmente em si mesmo, extrair de se interior um verdadeiro universo de certeza, senão seria destruído pelo Oráculo. Ele consegue, por já ter vencido provas anteriores onde a esperança, a vontade, a fé venceram desafios igualmente impossíveis. Em seguida, atravessa o espelho, onde o Peregrino deve enfrentar a si peóprio, devendo aceitar-se como é, para que mudanças possam ocorrer. E tais mudanças são o transbordo das virtudes adquiridas na jornada Iniciática para a vida cotidiana, dai Atreyu ver Bastian no espelho, devendo atravessá-lo.

Atingindo o Oráculo do Sul, recebe a informação que para salvar a Imperatriz, deveria batizá-la com um novo nome. Atreyu sai novamente pelos vastos domínios de Fantasia buscando alguém que pudesse dar à Imperatriz um novo nome. Isto porque o neófito da Iniciação insiste em buscar nos outros e em última instância em suas fantasias as respostas para as perguntas que só ele pode responder. Um imprevisto faz com que Falkor e Atreyu separem-se, assim como o Auryn. Atreyu enfrenta Gmork, um feroz cão negro, representação bastante óbvia do que os antigos chamaram de "Dragão do Umbral", produto do mal que cometemos a nós mesmos ou aos demais. Rapidamente Atreyu vence Gmork e outro "milagre" acontece: é resgatado por Falkor e veste novamente o Auryn. Vão os dois em direção ao Palácio da Imperatriz, que está sendo destruído pelo Nada - segundo Gmork "É o vazio que resta; É como um desespero que destrói esse mundo. Pessoas sem esperança são fáceis de controlar. E quem tem controle, tem poder".

Finalmente, a Imperatriz, revelando-se uma criança como o são Atreyu e Bastian,  diz que apenas uma criança humana poderia dar-lhe um nome. Eis o parêntese mais importante de todo o filme: quando um discípulo oriental completava sua Iniciação, ganhava um novo nome, tradição que em parte veio dar novos nomes aos Papas, Bispos etc. E Iniciação é exatamente esse encontro, ou fusão da alma, do corpo à Mônada. Não por acaso, as últimas cenas do filme...

A Imperatriz acaba por fazer com que Bastian reúna-se a ela, dando-lhe um nome de batismo, e ele escolhe "Esperança", nome de sua finada mãe. O garoto assim re-significa o seu passado (a mãe), modificando todo o seu futuro, por conseguinte. E junto da Imperatriz, em meio ao Nada, tem a oportunidade de recriar toda Fantasia, a seu bel prazer, por ter tornado-se, de certa forma, um mini-deus, como é a Mônada. Tornou-se um Iniciado. A Impertriz oferece-lhe um reluzente grão de areia (ou seja, um átomo permanente), a partir do qual toda Fantasia poderia ser reerguida, agora que Bastian (representando o Peregrino) alcançou um estado de consciência elevado a tal ponto.

 E como tal o mundo comum passou a tratá-lo diferenciadamente, como era de se imaginar.

Aquecemos apropriadamente?
Ótimo.





Ariomester.


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